A ARTE DE ROUBAR

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Para os proprietários de centros comerciais e seus agentes de segurança, eles são uns simples ladrões. Para eles mesmos, são um grupo artístico que intervém na realidade mediante a promoção e aplicação de técnicas de roubo. Chamam-se Yomango. Garotos que garantem não incitar ninguém a encher a geladeira na cara lisa, mas sim dar conteúdo político e artístico a atos dispersos que ocorrem diariamente neste grande centro comercial em que se converteu nossa vida.
Eles estão a caminho de se converterem no inimigo número um dos seguranças de lojas mas, reunidos em uma confortável mesa na varanda do apartamento de um dos membros, Yomango parece mais um foro de debates universitário que um grupo de delinqüentes.
Espírito iconoclasta, formação artística, consciência política e muito senso de humor parecem ser seus pontos de apoio. “Não fazemos apologia do roubo – afirma Jordi, um dos líderes do grupo -, o que fazemos é investigar e divulgar um estado de coisas. Há informações curiosas, como a que oferece uma das grandes marcas de dispositivos de segurança, que diz que 30 por cento dos roubos em supermercados ocorrem por parte dos próprios empregados, uns 24 por cento por parte dos clientes e o resto por distribuidores e perdas. Isto foge do típico malandro ladrão, que parece ser, no final das contas, o que menos rouba”. Eles definem suas ações como uma provocação artística. Sua origem está no desencanto que sentem pela luta anti-globalização, à qual criticam por que para combater problemas no século XXI recorrem a esquemas do XIX. “Yomango surge depois da ressaca das grandes concentrações anti-globalização de Gênova ou Praga – comenta Daniel -. Nos perguntamos o que acontece depois de tudo isto. Mudamos de direção e, em vez de basear nossa estratégia em grandes manifestações, decidimos nos voltar para um resposta cotidiana, uma desobediência civil mais próxima e muito mais prática que ir a uma capital européia na qual te chutem o traseiro. Daí surgiu a idéia do dinheiro grátis, e claro, dinheiro grátis é roubar, “mangar” (1); que é uma prática constante e que muita gente tende a fazer em supermercados. De um ideário tão particular vem o nome do grupo: Yomango.
Estes jovens têm como ponto de conexão sua cumplicidade com o centro okupado Laboratório 3, no bairro madrileno de Lavapiés, ainda ativo hoje mas na expectativa de um iminente despejo. Em seu projeto utilizam iconografia maoísta e a misturam com conhecidos slogans publicitários ou personagens contemporâneos como a atriz Winona Ryder, “mangante” ilustre (e convicta) em lojas de luxo de Beverly Hills. “Alguns de nós vêm da arte política – continua Jordi -, e estamos fartos de inventar coisas e ver que duas semanas depois a publicidade se apropria delas. Desenhamos alguns trajes para ir a uma manifestação para batalhar com a polícia, chamados Pret Art Revolter, e em duas semanas a bienal de Turim nos chamou para mostrá-los em uma passarela. É uma loucura. Dissemos a eles que iríamos apresentar algo nessa linha, mas mais cotidiano, e disseram para irmos em frente, e nos puseram na sede central do recinto. Mas quando se deram conta de que era Yomango o que apresentávamos, nos expulsaram a pontapés. Percebemos que havíamos encontrado algo que nem sequer o mundo da arte, que é um grande deglutidor de diferenças, havia podido engolir”.
Estilo de vida
Eles definem como um dos acertos de Yomango incorporar as técnicas do capitalismo à sua luta, mas evitando sua reciclagem pelas grandes corporações. “O passo seguinte foi criar uma anti-marca, que é Yomango, e depois associa-la a um estilo de vida, como fazem as marcas de verdade. Por que está claro que fumar uma determinada marca de cigarro já não significa apenas isso, mas algo parecido com calvagar numa pradaria”. O estilo de vida Yomango se baseia em descobrir “que qualquer ação política, se você deseja que seja constante, deve ser gozosa, porque o capitalismo já amarga bastante a nossa vida para que tenhamos que amarga-la por nossa conta”. Daí que também tenham apadrinhado a iniciativa da SCCPP, sigla de Sabotage Contra el Capital Pasándoselo Pipa (algo como “Sabotagem Contra o Capital se Divertindo Pacas”).
Nessa linha provocativa, criaram também um manual de cabeceira, O Livro Vermelho de Yomango (El Libro Rojo de Yomango), que reúne suas técnicas de furto artístico. Também criaram uma linha de roupas com bolsos ocultos em que os yomango possam esconder o que roubam em magazines e lojas de departamentos. Para ampliar seu leque de estratégias, o coletivo se reuniu com diversas pessoas para trocar informações. “Apareceu gente de todo tipo, os militantes de sempre, mães na luta contra as drogas, rappers...e depois deixávamos fichas onde podiam contar suas receitas para roubar. Uma de que me recordo com carinho consiste em reutilizar os cinzeiros dos estabelecimentos de fast food para envolver os alarmes dos produtos que se vendem em grandes lojas e evitar que soem na saída. È como uma metáfora: os resíduos de uma corporação servem para sabotar a outra”, conta Jordi. Com estas técnicas de roubo, e algumas maiôs conhecidas, como o truque da grávida, elaboraram O Livro Vermelho de Yomango. O manual, uma ironia do maoísmo, explica detalhadamente algumas das performances levadas a cabo por esses ativistas, como o “Yopito”, que consiste em fazer soar os alarmes das lojas de propósito.
“Esta ação, reciclando os alarmes de loja, quer mostrar até que ponto os grandes centros comerciais são superfícies amigáveis e dispostas ao diálogo com os clientes. Porque se você passa por um caixa e apita o alarme, neste instante o centro comercial se revela um grande dispositivo de isolamento e repressão, e ocorre um monte de coisas interessantíssimas e muito intensas, e, claro, se isso lhe acontece levando um salmão e dois queijos debaixo do casaco, é problema, mas se isso ocorre quando não está levando nada e ainda por cima por sua própria decisão, é muito legal. É uma maneira a mais de conhecer e desfrutar de seu entorno comercial”, ironiza Daniel.
Uma de suas ruidosas intervenções na realidade se deu no natal passado no Carrefour do bairro madrileno de Aluche. Ali eles se dedicaram a repartir entre si um total de até 300 preservativos com alarmes que paralisaram os caixas e deixaram o pessoal da segurança afundados no caos durante algumas horas. Porta-vozes dos agentes de segurança desse supermercado madrileno informam que o assunto está nos tribunais e evitam qualquer outro comentário. Yomango responde: “Sabíamos que isso ia chegar aos tribunais como desobediência civil, como ocorreu no caso da objeção de consciência (2).” Isto, que pode parecer mais próximo da gambiarra que do discurso político sério, chama a atenção de instituições tanto dentro como fora da Espanha.



Reconhecidos


“Tentamos socializar os recursos que o mundo da arte proporciona e o fazemos enfiando a cara e utilizando o dinheiro que nos dão para aumentar a difusão de nosso trabalho. Fomos curadores no MACBA, demos conferências no MIT de Boston, e nos convidam para bienais”. O cineasta underground Manuel Romo fez um documentário em vídeo sobre as atividades do Yomango e uma pré-montagem deste trabalho serviu de aperitivo na exposição Deluxe, que se pode ver em Madri, Miami e Valladolid. “As instituições de arte e as universidades tem de reconhecer que o que propomos faz parte da tradição acadêmica e artística. A arte política desde os anos 60 se envolve no contexto em que nasce. Já não se trata de fazer uma obra representando a guerra, mas dos artistas mergulharem na realidade”.
Mas o que diferencia Yomango é que ele ataca a base do capitalismo, o consumo, pondo em evidência as técnicas de persuasão que as empresas usam para vender seus produtos. “Quando se entra em movimentos políticos, costuma-se ter por alvo o Estado ou as forças e corpos de segurança, mas poucas pessoas se fixam na política das empresas para obter lucros, isto é, se concentrar em supermercados, baratear os empregos, e, definitivamente, gerar uma miséria que permite aplicar o Yomango”. Grupos parecidos, como o coletivo norte-americano Adbusters (http://www.adbusters.org/) também refletem sobre a super-exposição de estímulos comerciais a que nos submetem todo dia. “Não podemos confirmar nada, mas continuaremos em ação”, conclui Jordi.


Fonte: SCCPP – Sabotage Contra el Capital Pasándoselo Pipa (www.sindominio.net/fiambrera/sccpp/).

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