O Sublime Segundo Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel

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Por | Andrey Tasso

Dez anos de um dos melhores trabalhos da dupla francesa, Air. Com produção de Nigel Godrich e considerado um dos melhores álbuns dos anos 00 pela Pitchfork Media.

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Que uma canção tem o poder de subverter o espaço-tempo e nos arremessar tanto no passado, como no futuro ou simplesmente nos tirar da nossa zona de conforto de nossas divagações diárias e, como uma mágica metafísica inacreditável, Nos fazer adentrar pequenos em universos ocultos até então, mas que são prazerosamente desvendados, como uma criança que atravessa um túnel de nuvens perseguindo uma balão misteriosamente íntimo só a si mesma.

Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel conseguiu tamanha façanha em diversos momentos de sua suave carreira, entretanto, com Talkie Walkie lançado em 2004 eles chegariam perto da perfeição da canção sublime. Com produção de ninguém menos Nigel Godrich (considerado um dos melhores do ramo por gente como Paul MacCartney e Radiohead), o título faz referência ao grande compositor Serge Gainsbourg que compôs "Le Talkie Walkie" lançado na compilação “Du Jazz Dans Le Ravin” de 1997.  O disco, o quarto da discografia dos franceses, obteve apenas singelas manifestações e uma recepção até fria, porém positiva, da crítica da época, mas ao ser redescoberto dez anos depois, podemos sentir suas nuances, seu equilibrado jogo de notas cristalinas, sua atmosfera cheias de esparsas primaveras, sua permutação que envolve nossos ouvidos em algodões metafóricos e como uma cortina, fecha nossos olhos para o mundo exterior ao mesmo tempo em que os descortina para longínquos lugares que jamais havíamos ousado pisar.

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Como em “Vênus” onde um piano faz nossas marcações nas calçadas desacontecidas, íamos para o trabalho ou para algum lugar decididamente confortável?, Onde não teremos que cumprir às metas da semana e sim apenas nos preocuparmos em conhecer os descampados antes de nos deitarmos, mas a noitinha, para olharmos os grandes aglomerados, não do caótico trânsito, mas sim das constelações. Ou como bela “Cherry Blossom Girl” onde novamente o piano e bateria se rendem ao falsete delicado da dupla, que como que declarando um frágil poema de amor, vai preenchendo os espaços até então escuros de nossas saudosistas reverberações de saudades.

Run” pode parecer a princípio exótica na montagem de seus soltos elementos e da repetição da palavra. Neste momento, estamos olhando os transeuntes e suas idas e vindas pelos solavancos, nas vielas úmidas de Paris ou de qualquer lugar do mundo, onde após um período chuvoso, na impetrável passividade dos senhores, na seriedade pálida das senhoras, o inadequado jovem que olha o celular no exato momento que um comboio de pássaros atravessava a esquina formando poéticas formas de dialogar com a vida.

Também poderíamos falar do cintilar sussurrante de “Universal Traveller”, o tom baixo, o diálogo oculto esquecida do casal que procura se entender, a mãe carregando o filho nos colos invisível da barriga, a pressa juvenil do menino que desnecessariamente quer chegar logo ao objetivo, o mudo encontro de silhuetas no lado esquerdo do coletivo, o mundo não para, o clico dos acontecimentos rememora suas memórias, nós, seres pensantes, não conseguimos parar para pensar, uma açucarada ironia de excesso. “Mike Mills” é aquela parada para o café, onde precisamos fechar as contas do mês, onde a beleza está ali e é obvia que está mas não a queremos neste instante, é uma transição calma para  “Surfin On A Rock” onde a dupla desprende-se dos grilhões da elementar previsibilidade e joga-se na estrada desconhecida. O destino nem eles sabem, mas se olhar para trás e perceber o quanto já percorremos pode render um prazer sobre-humano, então, está seguindo de fato nossas doces verdades inconfessáveis é uma segura certeza.

Talkie-Walkie

Com algumas imperfeições, sutis tropeços, como a vida, como tudo, Talkie Walkie é daqueles discos que merecem ser revivido em sua intrínseca harmonia, o intenso piano sendo decodificado em prol do esculpir cada canção rumo ao acabamento múltiplo de um presente atemporal. O final, quase como um sintético circo se desdobrando sobre a fina normalidade do dia-a-dia é a mostra de como uma arte não precisa necessariamente mudar o mundo, basta apenas o convidar para ouvir novas belas (no caso, canções) sendo criadas para embalar a sua rígida jornada. Como um “Walkie-talkie” trazendo boas vibrações para um dia que está a começar.

Entulho Cósmico

Toda a palavra é um verso e todo o verso é um infinito

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