A ‘Poesia em Pânico’ de Murilo Mendes

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Por | João L

Murilo-Mendes

A poesia brasileira ganhou, mais ainda, altos patamares no século XX, com um dos seus maiores representantes: Murilo Mendes. Nascido em Juiz de Fora, foi ao lado de Manuel Bandeira e/ou Carlos Drummond, um dos oásis da poesia moderna tupiniquim.   De escrita por vezes abstrata, por vezes de um surrealismo, quase, religioso, base de sua iniciação ao catolicismo, sob a batuta do artista plástico Ismael Nery, que morreria  anos antes do lançamento do livro, causando enorme impacto na fé e na poesia de Mendes e seu olhar-sensações sobre os eventos do mundo exterior.

Lançado em 1938, Poesia em Pânico, é uma experiência poético-celestial, onde o poeta, com forte influência cubista, desestrutura os versos para poder então, recria-lós em conformidade com a criação divina. Nas suas primeiras manifestações, sentimos a dimensão do encontro mágico “O espírito da poesia me arrebata” e sim, somos levados aos solavancos dos descaminhos do homem e seus obscuros paradigmas.

O visionariíssimo elegante do poeta mineiro se choca com o mundo e seus objetos em “O Exilado” e o pessimismo tão dramaticamente contemporâneo em “A Destruição”. Nas nuvens de anjos se precipitando no caos alvoroçantes das ruas do apocalipse, Murilo se revela desesperanço, sem ânimo para o amor nem para o ódio, uma neutralidade metafísica que o lança em monólogos exteriores onipresentes, como no verso “Eu sou meu companheiro no deserto” do poema ‘O Homem Invisível’ e assim vamos sendo apresentados a mais um referencial da poesia do mestre, a presença feminina.

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O pecado, o sedutor percurso do olhar da mulher que controla as ações do poeta além dos espaços em branco da inconsciência. “Mulher, o mais terrível e vivo espectro” O Mundo muriliando nas cordas bambas com Deus e com os demônios da mocidade. Um entrelaçamento descavernoso no âmago do destino. O colapso entre os contrários se ergue no fluxo entre Homem, a musa- igreja, Deus, ou seriam deuses repletos de imagens de si mesmo? Murilo avança nesse encontro contraditório, a mulher, como um ícone de um desejo que ele quase procura se afastar, mas tropeça em versos evidentemente reveladores, como no poema “O Primeiro Poeta” ou no poema “A Esfinge” onde temos talvez a grande síntese do pânico existencial de Murilo Mendes: Ó Deus / Eu nasci para ser decifrado por ti /Com um pé no limbo, o coração na estrela Vênus e a cabeça na Igreja.

O Poeta se acha num verdadeiro labirinto íntimo e controverso, ao tentar juntar os extremos divinos e de sua própria extremidade, Como um “Amante Invisível” do mundo exterior, como uma fotografia que procura enquadrar todos as nuances da atemporalidade, ele acaba se convertendo aos acontecimentos em toda a sua significância. Em Poesia em Pânico, Murilo Mendes busca reconciliar os acontecimentos da vã existência com os enigmas inconfessáveis do homem, suas ânsias quase, inadiáveis, seus pensamentos, quase, independes, suas musas e suas indomáveis e secretas mutações, que são, porque não, verdades da criação divina. Portanto, a verdadeira natureza das coisas, sempre teve, em todos os instantes, o aval divino.

O Livro, lançado pela Cooperativa Cultural Guanabara na década de trinta, é um verdadeiro clássico da poesia nacional. Sua obra completa acaba de ser relançada pela Cosac Naify sob a coordenação de Júlio Castañon Guimarães, Murilo Marcondes de Moura e do editor Milton Ohata. Ainda sem Poesia em Pânico, mas com outros grandes livros de um poeta ainda a ser redescoberto.

| Começo |

O espaço e o tempo
Hão de se desfazer no vestido da Grande noiva branca.
Serei finalmente decifrado, o estrangeiro da vida
descansará pela primeira vez no universo familiar.

Entulho Cósmico

Toda a palavra é um verso e todo o verso é um infinito

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